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A doida grafia dos nomes próprios

A imprensa não se entende na hora de grafar nomes próprios. Na língua inglesa, tanto nos Estados Unidos como em qualquer parte do Reino Unido, nomes como Arthur e Wilson são escritos sempre do mesmo jeito. Na França, Thérèse é sempre Thérèse. Já no Brasil, vale a multiplicidade de formas: Arthur, Artur, Wilson, Vílson e até Uilson; Teresa, Tereza, Theresa e Thereza. Regras existem, mas ninguém as observa. "A culpa é da imprensa, que instaurou a bagunça e faz todo mundo viver no meio dela", espinafra o jornalista Marcos de Castro, em seu livro A Imprensa e o caos na ortografia (Editora Record, 1999, 2ª edição).

Segundo o autor, pratica-se no Brasil o "jornalismo cartorial", porque, em lugar da padronização de uma sistemática lógica, prefere-se, em matéria de nomes próprios, a obediência à vontade de cada um ou ao que consta das certidões de nascimento. E os primeiros responsáveis por isso são os próprios cartórios, onde é comum se perguntar a quem vai registrar um filho: "Quer que coloque Luís com "s" ou com "z", com ou sem acento? Moacir com "i" ou com "y"?

Esse vale-tudo só acontece por aqui. Em Portugal, a ortografia é estável, em qualquer publicação. Lá, acima de qualquer capricho, está o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia das Ciências de Lisboa, que passou a vigorar a partir de 1943 e do qual o Brasil é signatário. Ali consta expressamente: "Os nomes próprios personativos, locativos ou de qualquer natureza, sendo portugueses ou aportuguesados, estão sujeitos às mesmas regras estabelecidas para os nomes comuns".

No Brasil, em qualquer cidade, nomes de logradouros públicos são encontrados ora com uma grafia ora com outra: Oswaldo/Osvaldo, Ipiranga/Ypiranga, Castelo/Castello Branco. No bairro de Ipanema, no Rio, temos um exemplo bizarro: duas placas, lado a lado, indicam o cruzamento das ruas Prudente de Morais e Vinícius de Moraes. Como fica isso na cabeça de uma criança em fase de alfabetização?

Salve-se quem puder

Na década de 60, algumas publicações, tendo à frente o Jornal do Brasil, iniciaram a cruzada lógica e correta para os nomes próprios. Todo Luís era escrito com "s" e acento; todo Mário era rigorosamente acentuado; nada de "h" em Artur ou "z" em Teresa; não havia consoantes duplas em Melo, Matos, Neto, nem finais em "aes": eram Pais, Morais, Correia (e não Corrêa) etc. O JB teve um copidesque chamado Nilson Vianna que, de tão fiel às regras do jornal, até conseguiu mudar seu documento oficial de identidade para "Nílson Viana".

Dizem que a porta começou a ser arrombada durante o governo militar, quando o general Golbery do Couto e Silva reclamou com a direção do JB que o seu nome vinha sendo escrito com "i" no final, quando o correto, para ele, era com "y". Faz lembrar o protesto do poeta Alberto de Oliveira, quando, décadas antes, uma reforma brasileira eliminou o "y". Ao ver a palavra lírio com nova grafia, não se conformou com a mutilação da flor: "Tiraram-lhe o y. Tiraram-lhe a forma", reclamou.

O absurdo maior, relata Marcos de Castro, ocorreu em outubro de 1985, quando da morte do ex-presidente Médici. Em pesquisa realizada nos jornais O Globo, Jornal do Brasil e Folha de S.Paulo, encontrou o nome da discreta viúva do general escrito de nove (9) maneiras diferentes: Scylla (como ela usava e estava registrada), mais Scyla, Scilla, Scila, Silla, Sila, Cylla, Cyla e, por fim, a grafia que seria a correta: Cila.

"Hoje, no Brasil - e só no Brasil, nunca é demais insistir - não temos ortografia nenhuma. Vale tudo. É o salve-se quem puder. Pergunta-se: pode sobreviver um idioma assim?", conclui o autor de A imprensa e o caos na ortografia.

Antônio Goulart
20/06/2001

20/06/2001

Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/fd200620011.htm

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