Bilinguismo passivo – Quando a criança se recusa a falar português
Um bilíngue passivo é uma pessoa que teve exposição suficiente a uma segunda língua para compreendê-la bem, mas que exerce pouco ou nenhum comando ativo do idioma, ou seja, além de falar sua primeira língua, entende uma segunda língua, mas não fala.
No caso de filhos de brasileiros residentes no exterior, bilinguismo passivo infantil normalmente ocorre quando a criança passa a responder na língua do país de residência quando alguém se dirige a ela em português, frustrando muitos pais. É mais comum do que se imagina.
A inabilidade de se comunicar em português pode ser causada por falta de vocabulário, o que impede a criança de responder adequadamente, ou falta de interesse pela língua. Quando uma criança aprende português em casa com o pai ou a mãe, e o adulto não é coerente no uso do idioma, falando com a criança às vezes na língua do país de residência e outras vezes em português, a tendência é que a criança desenvolva o bilinguismo passivo. Estudos demonstram que crianças têm maior facilidade para aprender várias línguas em ambientes em que há coerência no uso dos idiomas - elas adoram previsibilidade e segurança.
Algumas vezes a criança tem capacidade de falar a língua, mas se recusa a fazê-lo por razões variadas, e com o tempo acaba perdendo essa capacidade. Uma fase crítica, em que muitas crianças que falam português deixam de fazê-lo, é a época em que elas entram na escola, passam a ter contato constante com a língua do país de residência e o português é usado cada vez menos. Outra fase crítica é a adolescência, quando a criança pode passar a achar que falar português a torna diferente dos outros à sua volta. Em alguns casos o adolescente rejeita o português e não quer nem mesmo que os pais falem com ele nesse idioma. Apesar de essas serem fases críticas, uma criança pode parar de falar o português em qualquer época.
Este é um problema que nunca tive com minha filha, mas que ocorreu com muitas das famílias de brasileiros que conheço aqui na Inglaterra e em outros países. Na maioria dos casos os pais infelizmente passaram a falar inglês com os filhos.
No entanto, os pais não devem desistir de continuar a falar português com a criança quando ela passa a responder em outra língua. Bilinguismo passivo é um pouco subestimado pelos pais, mas não deveria ser. Quando um bilíngue passivo se encontra numa situação em que tem necessidade de falar a língua em questão, como por exemplo se se muda para um país onde a língua é falada, algumas vezes passa a falar ativamente o idioma sem muito problema. Por essa razão, é importante continuar expondo a criança à língua, mesmo quando seu conhecimento é apenas passivo. Continue falando português com seu filho. Ser um bilíngue passivo é melhor do que ser monolíngue. Quando você deixa de falar português com seu filho porque ele responde em outra língua, a tendência é que ele passe a entender cada vez menos o português, por não ter mais contato constante com o idioma, e acabe se tornando monolíngue.
Na prática 1
Uma mãe francesa casada com um inglês e residente na Inglaterra conta que apesar de ela desde o nascimento de seu filho ter se comunicado com ele em francês, quando o menino começou a falar ... ele falava apenas inglês! Ela esperou até ele fazer 3 anos e meio, e nada. O menino obviamente entendia francês perfeitamente, mas falava apenas inglês. Ela tinha certeza que o problema era o fato de ele saber que ela entendia inglês bem, pois ela e o marido se comunicavam em inglês. Então essa mãe resolveu explicar ao filho com muito carinho, mas muito claramente, que a língua dela era o francês; ele ia ter que falar francês com ela dali para a frente. Inicialmente o menino falava devagar e parava a toda hora porque não sabia a palavra que queria dizer em francês. A mãe então perguntava: “qual é a palavra em inglês?”, ele dizia e ela traduzia para o francês. Aos poucos o francês dele foi melhorando. Segundo essa mãe, o menino deve ter percebido que ela estava falando sério e que não ia mudar de ideia, porque a estratégia funcionou.
Na prática 2
Um outro caso interessante, mas com resolução ainda pendente, envolve uma família em que o pai e a mãe são brasileiros. O filho deles nasceu no Brasil. Quando ele tinha 6 anos a família se mudou para a Inglaterra. O menino não falava inglês quando veio para cá e aprendeu a língua na escola. Atualmente ele tem 11 anos e além de se recusar terminantemente a falar português, não gosta que o pai e a mãe falem português com ele. A esperança dos pais é que essa seja uma fase passageira.
Na prática 3
O caso de uma outra família residente na Inglaterra infelizmente parece ser bastante comum aqui nas terras da rainha. A mãe é brasileira e o pai inglês. A filha nasceu e foi educada na Inglaterra. A mãe, que tem muito orgulho do fato de ter aprendido inglês na prática (por imersão) após se casar e se mudar para a Inglaterra, sempre misturou inglês e português na comunicação com a filha e nunca valorizou a língua portuguesa – ela até adicionou um certo ‘sotaque inglês’ ao seu português, que é invariavelmente salpicado de palavras e expressões em inglês. Na infância a filha falava um pouquinho de português, mas nunca chegou a ser fluente. Quando a família passava uma temporada no Brasil ela voltava com um vocabulário um pouco maior, mas sempre teve um sotaque forte e sempre preferiu falar inglês. Hoje a menina está com 14 anos e não fala mais português. A mãe infelizmente passou a se comunicar com ela predominantemente em inglês e o seu entendimento do português decaiu tanto devido à falta de contato com a língua que a menina se tornou praticamente monolíngue.
Dicas
Abaixo, algumas sugestões do que fazer se seu filho se recusar a falar português:
- Por mais que isso seja frustrante para os pais, a decisão da criança de falar apenas uma língua deve ser respeitada. Os pais podem tentar persuadi-la a falar português, preferencialmente de maneira sutil, mas não podem nem devem forçá-la. Especialmente no caso de adolescentes, forçá-los a falar português pode ter um efeito totalmente contrário do desejado.
- Tenha paciência. Mesmo sendo um bilíngue passivo, seu filho pode continuar desenvolvendo o seu português.
- Tente melhorar a sua comunicação com a criança de uma maneira geral. Aprenda a ouví-la, aproxime-se dela. A recusa do seu filho de falar português pode ser um reflexo de alguma insatisfação com o relacionamento de vocês dois.
- Continue falando apenas português com seu filho e sendo consistente no uso da língua. Procure não falar com a criança às vezes numa língua e às vezes em outra. Ela não pode ter dúvida de que com você a língua é português. Lembre-se: a criança só vai valorizar a língua portuguesa se você a valorizar primeiro. Seja um bom exemplo para seu filho.
- Seja realista e considere se seu filho teve exposição suficiente à língua portuguesa para falá-la. Talvez ele precise de ajuda para adquirir mais vocabulário. Certifique-se de que seu filho tem acesso a material de apoio adequado para aprendizagem do idioma, como bons livros em português, bons filmes e séries brasileiras, etc. Na maioria das vezes bilinguismo passivo é resultado de um ambiente lingusticamente pobre.
- Demonstre satisfação com qualquer sinal de melhora do português do seu filho, especialmente o uso ativo da língua.
- Leia o post ‘Crianças bilíngues e o valor das línguas’ com atenção. Esse post contém sugestões e idéias para incentivar seu filho a falar português que podem ser de extrema valia nessa fase. Dos exemplos mencionados no artigo, a estratégia mais eficaz uma vez que a criança já parou de falar português talvez seja viajar para o Brasil com frequência. No entanto, essa estratégia por si só corre o risco de surtir efeitos apenas temporários, e o ideal é que seja combinada com outras que façam da língua portuguesa uma parte relevante do dia a dia da criança no país de residência. Por exemplo, se seu filho quer aprender a tocar violão, por que não contratar um professor brasileiro, com instruções para se comunicar com o aluno apenas em português? Use a imaginação!
Uma boa notícia
A boa notícia para os pais é que se a criança tinha bom domínio ativo da língua antes de parar de falá-la, a rejeição pode ser temporária, especialmente se ocorre na adolescência. O crescimento emocional da criança e o aumento do seu entendimento intelectual podem causar uma mudança de atitude com relação ao português e uma progressiva valorização da língua. O que era uma irritação para o adolescente pode se tornar uma tábua de salvação para o jovem adulto num mercado de trabalho em que o multilinguismo é cada vez mais valorizado. Daí a importância de os pais manterem vivo o bilinguismo, mesmo que passivo, continuando a falar com a criança apenas em português.
Nas palavras de Colin Baker, um dos mais renomados autores de livros sobre bilinguismo infantil, em tempos de desespero linguístico os pais precisam ter fé, esperança e amor. Tudo o que eles podem fazer é proporcionar as condições necessárias para o individuo decidir por si só o futuro da sua existência linguística. O jardineiro pode preparar o solo, plantar as sementes, oferecer um ambiente propício para o crescimento. Os pais, como o jardineiro, não podem forçar o crescimento, mudar a cor ou controlar o desabrochar da flor que é a linguagem dos seus filhos.
31/01/2011
Fonte: http://filhos-bilingues.blogspot.pt/2011/01/bilinguismo-passivo-quando-crianca-se.html?m=1